UNICÓRNIOS

Chegas a uma altura na vida em que as coisas já não acontecem em catadupas, já não se consegue descortinar objectivos, assim daqueles que se tornam em projectos e não o contrario, porque isso seria muito profissional, muito á moda de gestores sejam eles quais forem, mesmo que tenham vindo de uma empresa enorme de fazer salsichas e enlatados e comecem a tentar vender cuidados de saúde com toda a sensibilidade inerente ao cargo, é claro que quem diz gestores de enlatados também podemos dizer gestores de multinacionais do petróleo, que derivado aos jobs for the boys transitam de empresa em empresa e gerem-nas da mesma forma, convenhamos tem tudo a ver, quem vende petróleo ou salsichas também vende cuidados de saúde hospitalares (acham eles claro).
Mas adiante não vale a pena falar disso.
Acordo de manha, de manha é um exagero porque invariavelmente já passa do meio dia…pelo menos uma ou duas horas, mas encontro sempre uma explicação racional e perfeita para o caso, umas vezes é porque vou entrar de turno ás 23 horas e preciso de dormir, outras é porque me deitei bem tarde e preciso descansar, outras porque, porque e mais porque, ou seja arranjo sempre uma bela desculpa e pior que tudo convenço-me dela como verosímil, então passo ao meu ritual da maquina do café e do yogurt liquido, passando como é obvio pelo duche onde por entre gotas fartas de água quase a ferver faço o meu plano diário, para o dia, passe o pleonasmo, ou melhor o plano para o que resta do dia.
Num ápice estou parado num semáforo e ao meu lado pára uma rapariga toda bonita, pelo menos assim parece num olhar de relance, e vem-me logo á memoria a serie da noite anterior da rtp2, “Californication” em que na mesma situação a rapariga faz um grande sorriso e atira com um papel com o numero de telefone para o carro que está ao lado dela, ok pensei eu, vamos ver se é só nos filmes, e de repente o semáforo passa a verde e lá vou eu a pensar que nem o meu carro é um Porshe nem eu sou o David Duchovny, ah mas já tive papeis no carro, á pois é, está bem que eram da PSP por estacionamento em cima do passeio, mas também não pudemos ser tão selectivos um papel é sempre um papel.
È nesta altura em que volto a pensar nos meus objectivos, não nos imediatos, mas nos ditos projectos de vida, e … não tenho nada, absolutamente nada…quer dizer tenho sempre que pagar as minhas dividas, da casa, dos cartões de credito blá blá blá mas isso é um lugar comum, ah também quero fazer a viagem do comboio Transiberiano, e um Porshe claro um Porshe, até já expliquei porquê ehehehe, a sério um Porshe porque é o meu carro de sonho. Por falar em sonhos, disseram-me que nos meus Posts tratavam muito mal as mulheres, que elas não eram assim tão más como eu pintava (nos meus quadros não existem mulheres, são abstractos e quem os conhece sabe bem que é verdade), também tinham qualidades e personalidades bem fortes e que hoje em dia as mulheres são todas assim, e mais uma serie de atributos e adjectivos que nem me lembro já, por isso me lembrei, …pois era por causa dos sonhos, e pensei que em sonhos não era muito bom pensar nelas porque poderia acontecer algum wet dream com alguém que não queríamos de forma alguma, estou a lembrar-me por exemplo o que seria ter um wet dream com a minha administradora de sector…de vómito mesmo.
Então passa-me pelo pensamento as coisas boas que a vida já me deu, não grandes ocasiões e factos mas coisas pequenas que guardamos umas vezes só para nós, outras que fazemos ainda questão de ter e até expor, lembro-me então de um cão que a minha mãe fez á mão em tecido, o “Franjinhas” e que era o meu companheiro de quarto até um dia se fartar de mim e tentar a fuga dentro do caixote do lixo lá de casa (vejo agora o desespero do cão), passando pela minha 1ª camisola do Benfica que ainda guardo religiosamente, guardada numa gaveta do roupeiro, mas que espero dentro de alguns anos enverga-la para festejar algum titulo que ocasionalmente possa acontecer, lembro-me também de uma bola de vidro com liquido lá dentro e que se agitarmos faz o efeito de neve, e aí não consigo deixar de imaginar-me dentro da bola, eu como figura central com um ar bem feliz a ver nevar, note-se que não tomo drogas, e ainda nem tinha bebido nada nesta altura, sei que é uma cena digna de uma trip de LSD mas não uso nada disso, vem também ao meu imaginário talvez a figura mais fantástica de todos os imaginários (não é a loja de prendas para crianças minhas sras) que é ao fim ao cabo o Unicórnio e penso que seria fantástico de repente mesmo ali á entrada da Costa da Caparica ver um Unicórnio e pensar imediatamente em tudo de belo que o Unicórnio representa, tudo de puro e todos os sonhos que transmite, mas principalmente a paz que essa imagem a mim me transmite, fazendo-me sorrir de imediato e pensando (muito penso eu ) que a vida teria muito mais sentido se todos nós tivéssemos a oportunidade de nos aparecer um Unicórnio de tempos a tempos, teríamos nessa altura de certeza as nossas esperanças renovadas e os nossos sonhos como possibilidades reais.
Nesta altura olho e já estou numa esplanada a beber um café, ok o 3º, e começo a observar as pessoas, vê-las actuar e, aquela hora, naquele sitio as pessoas parecem eucaliptos, nota-se que cresceram a uma velocidade estonteante, nota-se que se distinguem por serem todas iguais, quase clones umas das outras, todas relativamente juntas, mas não se conhecem, não se cumprimentam, nem tão pouco se olham, são mesmo uns eucaliptos que secam tudo á sua volta não dando espaço ao factor humanidade para se estabelecerem laços.
Já é noite e volto para casa, olho o céu constantemente com a esperança de ver uma estrela cadente e não perder a oportunidade de pedir um desejo, na falta de as ver convenço-me que elas passaram e só a poluição no ar impediu que elas fossem vistas por mim, assim sendo peço um desejo á consignação, não que acabe a guerra e a fome etc até porque não estou num desfile de Miss Qualquer Coisa (também tinha de ser gaja para isso), e esses pedidos nem os Unicórnios os conseguem conceder, mas uma coisa simples, uma coisa perfeitamente possível, é claro que o desejo fica para mim porque se o contar não se realiza.
Um resto de boa noite e sonhem se fazem favor.